terça-feira, 26 de abril de 2011

Acidente nuclear em Fukushima faz crescer o turismo a Tchernobil

Talvez não seja o tipo de excursão que a maior parte das pessoas imagina para se divertir, mas cada vez mais turistas estão visitando a área do desastre nuclear de Tchernobil. O pacote de viagem de um dia inclui o uso de um contador Geiger e almoço na cantina da usina nuclear.

Yuri Tatarchuk está de pé diante de um grupo de visitantes da Europa, Ásia e Estados Unidos. O guia de turismo de 38 anos tem corpo de lutador, usa botas de combate e farda do exército. Tatarchuk distribui contadores Geiger, além de conselhos bem intencionados. “A melhor proteção é a distância”, diz ele. “Entrar em pânico não ajuda.”

Os turistas olham a camiseta de Tatarchuk com curiosidade, que tem a seguinte frase esticada por cima da barriga, “Hard Rock Cafe Tchernobil”. É a tirada irônica de Tatarchuk sobre o desenvolvimento turístico da zona de exclusão em torno da usina nuclear destruída de Tchernobil no norte da Ucrânia.

Ele ganha a vida como guia turístico na zona contaminada em torno do reator, que explodiu no dia 26 de abril de 1986. Os empregos são poucos para homens com mais de 30 anos na Ucrânia rural, e Tatarchuk diz que estava velho demais para ficar escolhendo.

Cerca de 130.000 pessoas fugiram da área em 1986, quando o reator número 4 da Usina Nuclear Vladimir Ilyich Lenin explodiu. A poeira radioativa letal depositou-se nas ruas e casas. Duas cidades e dezenas de centros urbanos menores tiveram que ser abandonados porque substâncias radioativas, tais como o césio-137, envenenaram o solo, a água e o ar. Hoje, 25 anos depois, pessoas de todas as partes do mundo estão visitando por vontade própria a terra contaminada.

“Levo uma vida perigosa”

Para sua visita à zona de perigo, Margarita, da Itália, escolheu vestir sapatos com acabamento de oncinha e batom cor de rosa. Suas sobrancelhas são pintadas de verde, seu cabelo escuro está louro. “Levo uma vida perigosa. Essa tinta toda no meu cabelo também faz mal à saúde”, diz Margarita, que tem 20 e poucos anos.


O grupo de excursão passa por uma roda gigante na cidade de Pripyat. Os soviéticos construíram a atração nos anos 80, mas nunca chegaram a inaugurá-la, porque Pripyat foi evacuada após a explosão do reator nuclear próximo. Atualmente, turistas como Margarita podem explorar o parque de diversões. Na maior parte, eles dizem que são a favor da energia nuclear, descrevendo sua atitude como “pragmática”. Eles se interessam principalmente em ver como é a vida após um apocalipse nuclear.

“Enquanto a Coreia do Norte continua fechada, Tchernobil é a viagem mais radical”, diz Margarita.

A excursão de um dia à zona de perigo custa US$ 100 (em torno de R$ 160). O preço inclui almoço no refeitório da usina. Na capital Kiev, as estações de rádio anunciam as excursões com: “Visite Tchernobil”. O governo ucraniano anunciou planos de aumentar o número anual de turistas de 60.000 para 1 milhão. Desde o acidente nuclear de Fukushima, as excursões lotaram.

Um ônibus Mercedes com ar-condicionado leva os turistas até o reator, o centro da “Zona de Alienação”, como é oficialmente chamada a zona de exclusão. Dentro do veículo, uma televisão de plasma moderna mostra “The True Battle of Tchernobil” (A verdadeira batalha de Tchernobil), um documentário-drama com trilha emocionante e explosões ao estilo Hollywood. Pela janela do ônibus, veem-se cidades abandonadas.

Rachaduras no sarcófago

O engenheiro Henrik Björkman aproveita para se espalhar no assento de couro confortável. Ele é da Suécia, um país que decidiu reduzir a energia nuclear há 30 anos. Desde então, contudo, o governo suspendeu a proibição de construção de novos reatores, e os defensores da energia nuclear passaram a ser a maioria, até depois de Fukushima. “Sou bastante positivo sobre energia nuclear”, diz o engenheiro, acrescentando que não tem medo de um acidente nuclear. “Não há tsunamis ou terremotos na Suécia”.

O ônibus para na frente do Bloco do Reator 4, onde um sarcófago preto de aço e concreto sobe aos céus. Em 1986, Moscou enviou meio milhão de homens para extinguir o incêndio que estava queimando na cratera deixada pela explosão. Os homens levaram 202 dias para construir a cobertura protetora conhecida como sarcófago para selar o reator. Contudo, os contadores Geiger dos turistas ainda apitam –o sarcófago tem muitas rachaduras e furos.

Tusyoshi Otake, que tem cabelos brancos e veste uma capa cinza, puxa seu bloco e toma notas. Como correspondente da revista de negócios japonesa “Nikkei Business Publications”, o repórter respeitado normalmente passa seu tempo analisando cenários de lucros de empresas mundiais. Agora, ele recebeu a tarefa de escrever sobre a perspectiva da energia nuclear em seu país natal, o Japão. “Objetivamente falando, o Japão não pode ficar sem a energia nuclear”, diz Otake. Ele planeja escrever sobre como exemplo de Tchernobil pode ser útil para lidar com o desastre de Fukushima.

Cerca de 7.000 pessoas ainda trabalham na zona restrita, diz Yuri Tatarchuk, o guia turístico musculoso. Elas são encarregadas da manutenção da velha usina, cujo último reator só parou de funcionar em 2000. Elas também são responsáveis pela segurança do sarcófago e da zona de exclusão, que é o dobro do tamanho do Estado alemão de Saarland.

Tatarchuk pergunta a Otake se ele ainda acredita nas “informações do governo”, apesar do desastre de Fukushima. O repórter responde balançando a cabeça timidamente para cima e para baixo.

“Todos os governos mentem”, diz o ucraniano rindo. “Inclusive os democráticos. O Japão é uma democracia, certo?”

A atenção de Tatarchuk então é distraída por dois turistas suecos, que, levados pelo desejo de tirar fotos, chegaram perto demais do sarcófago. Ele apita para que voltem, enquanto um turista francês pergunta a Otake se ele conhece a expressão “déjà vu”.

Flores desbotadas

Um aviso marca a entrada da cidade de Pripyat, onde algumas flores de plástico desbotadas sopram ao vento. O Geiger mostra um nível de radiação 20 vezes maior que o normal. Uma loura ucraniana olha para seu medidor e diz que há “muito pouca” radiação aqui. Ela parece desapontada. Ela explica que a radiação em alguns dos bairros em Kiev era ainda maior.

O desastre de 1986 levou todas as plantas da área a murcharem. A floresta local ainda se chama Floresta Vermelha, explica Tatarchuk, porque as folhas das árvores foram descoloridas pelo acidente.

Pripyat era uma cidade modelo do socialismo para 50.000 pessoas. Dos andares mais altos dos prédios, os moradores podiam ver o orgulho da cidade: o reator. Pripyat foi evacuada horas após a explosão. Hoje, as casas e ruas desta Pompeia moderna estão sendo tomadas pelas plantas. Livros de exercício ainda estão nas mesas das salas de aula da Escola Número 3. “Minha terra natal é a URSS”, diz a página escrita por um menino da primeira série há 25 anos.

Tsuyoshi Otake anda silenciosamente pelos corredores fantasmagóricos. Versos gravados nas paredes falam de “feitos heroicos em nome da felicidade de todos os povos” –um lembrete macabro do otimismo soviético sobre o irreversível progresso.

No quarto andar, centenas de máscaras de gás estão jogadas no chão entre livros e brinquedos. São tão pequenas que só poderiam ser para crianças do ensino fundamental. “Temo por Fukushima”, diz Otake.

fonte: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/internacional/2011/04/26/acidente-nuclear-em-fukushima-faz-crescer-o-turismo-a-tchernobil.jhtm

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