"Chicletinho não dá sede? Tome água por dois reais", grita o vendedor conhecido como Fome Zero. Visado pelo rapa, o ambulante deu uma sumida, mas seu apelido acabou virando um código em Cumbica: "Fome Zero" é a maneira de indicar onde estão os comerciantes que atuam no mercado paralelo.
Ambulantes são observados na fila do check-in, no "fumódromo", em bancos próximos aos guarda-volumes, em ruas internas do maior aeroporto do país.
Por ali, a oferta de produtos também é variada: chaveiros, pulseirinhas, cadeados, lanches, refrigerantes, bolos, sucos e "quentinhas".
O apelido "Fome Zero" é uma forma "bem-humorada de criticar os preços exorbitantes praticados dentro do aeroporto", explica Davisson Correa Leite, 33 anos, oito deles dedicados a atender a uma gama de clientes: executivos, turistas de aventura, "passageiros estreantes".
"Quem trabalha aqui não consegue almoçar dentro de Cumbica. E, cada vez mais, os turistas querem saber onde podem encontrar uma lembrancinha ou algo para comer mais em conta", diz.
Mercado informal em Cumbica
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Rosiley Tretele, 52, vende chaveiros no aeroporto de Guarulhos
Com R$ 5,50 dá para comprar um sanduba e tomar um suco natural da caixinha de Rosemilda de Brito Silva, 47. Vizinha do aeroporto, por volta das 8h, ela desce do carro e descarrega sua "bagagem".
Puxa um carrinho e coloca sobre ele um isopor "camuflado", todo enrolado com fita adesiva de uma companhia aérea. "É para os seguranças acharem que eu vou viajar."
Com um olho de tocaia no guarda e outro bem aberto na clientela, às 14h Rosemilda já acabou com o estoque de 30 sanduíches e 4 litros de suco.
Entre as iguarias, uma das mais cobiçadas é o sanduíche de patê de frango. Preço: R$ 3 cada um. Sucos de goiaba e maracujá (R$ 2,50/200 ml) conquistam "os gringos".
imagina na copa!
imagina na copa!
Rosiley Tretele, 52, chega rápido e desaparece mais depressa ainda. Saca dos bolsos da jaqueta exemplares de chaveirinhos. O amarelinho com o distintivo "Brasil 10" é disputadíssimo. No verso, o aviso: "sou surdo(a)..."
Ela entra na área de embarque. Segue para o check-in. Depois, para lanchonetes. E assim repete a manobra em outras asas de Cumbica.
Questionada sobre quantos chaveirinhos vende por dia, escreve: "Não pode. É particular". E sai batido.
Articuladíssimo até em espanhol (ele morou dois anos na Espanha), Adriano Ricardo da Silva, 36, não faz cerimônias. Diz que chega a faturar R$ 200 por dia com o comércio de chaveiros e cadeados, guardados estrategicamente em uma mochila.
O rapaz já vendeu chocolate e CD de música romântica, de sua autoria, em Congonhas. Em 2003, foi para Cumbica e diversificou o negócio: apostou nos chaveirinhos.
Lá, conheceu uma senhora espanhola, "muito simpática e prestativa", que lhe ensinou os caminhos para a cidade de Valência, onde lavou prato, cantou na rua músicas de seu repertório e aperfeiçoou o espanhol. Tudo isso na clandestinidade.
Sem visto, voltou a Guarulhos, mas anda desiludido com a nova administração do aeroporto. "Quero pagar para ter uma credencial e trabalhar em paz. Tenho uma filha, Vitória, de um ano e oito meses, para sustentar."
Adriano leva duas horas de ônibus de Carapicuíba até Cumbica. Trabalha das 8h às 15h, pautado por voos de seus clientes: espanhóis, mexicanos, peruanos e chilenos.
Seu "concorrente" direto é Alan Chaves, 32, o "rapaz do chaveirinho". A família Chaves quase monopolizou o mercado informal desse produto em Cumbica. Eram cinco ambulantes --Alan e quatro irmãos. Hoje, restou ele.
"O aeroporto está mais organizado e profissional agora", diz. "Está difícil trabalhar, mas aqui ganho mais do que se fosse empregado."
Com o dinheiro da venda de chaveiros, cadeados e pulseiras, o moço diz ter comprado um apartamento na Cohab de Guaianases e um carro usado. Alan tem dois filhos: Isaque, 9, que mora com ele, e Ana, 4, que vive com a mãe.
"Não discuto com o segurança. Eles põem a gente pra fora, muitas vezes esperam você entrar no ônibus."
RUA DA ALIMENTAÇÃO
São 11h30 quando a rua de acesso ao setor aduaneiro, na região do terminal de cargas, começa a "bombar". Ao menos 15 são "veículos-lanchonetes". Nos bagageiros, sacos de pães, isopores com quentinhas, potes com carne e verduras. Parte desses veículos está ali para oferecer serviço de "marmitex delivery" a funcionários do aeroporto.
O carro do Cozinha de Quintal fica lá estacionado de segunda a sexta, das 11h às 15h. Walberto Tadeu, 48, sempre carrega, além das previamente solicitadas, umas "quentinhas a mais" --emergências sempre aparecem.
Vende cerca de 30 por dia. O menu oferece três pratos diferentes para cada dia da semana, ao preço de R$ 10, com exceção da feijoada de quarta-feira, que sai por R$ 11.
Chapas são instaladas na parte de trás dos carros para preparar os sanduíches. O cenário lembra uma praça de alimentação a céu aberto.
Ewerton Santos, 26, não para um minuto. Trabalha das 8h às 22h. Faz, em média, 200 lanches por dia. O "hit" de seu carrinho é o X-Tudo, "mas vem com tudo mesmo", avisa. São 13 ingredientes mais o pão por R$ 7. A partir das 16h, a chapa esquenta ainda mais e passa a dividir espaço com espetinhos de carne, de frango ou de calabresa (R$ 3 cada um).
Tanto passageiros quanto funcionários ouvidos pela reportagem alegam recorrer aos ambulantes por causa dos "preços salgados" praticados dentro de Cumbica.
De passagem por São Paulo, o engenheiro argentino Miguel Borges, 31, disse que "lá dentro os preços são mais altos que na Europa", enquanto traçava um X-Tudo feito pelo "hermano" Ewerton. "Sabe quanto cobram por uma garrafinha de água? R$ 4,50. Com isso, eu tomo dois sucos aqui fora."
Com mais R$ 0,50, poderia comprar um cachorro-quente "simples" Fpão, salsicha, purê, milho, ervilha, molhos e batata palha-- do Bill Dog's, a poucos metros de Ewerton.
Marcos Eduardo Costa, 31, "dogueiro", diz que "90% dos meus clientes são funcionários do aeroporto e caminhoneiros que transitam pelo terminal". "Ninguém aqui tem grana para comer lá dentro."
Se depender do "dogueiro" e de seus vizinhos lancheiros, "Fome Zero" para todos.
fonte: www1.folha.uol.com.br
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