- Gustavo Maia/UOLTaxista altera o taxímetro para a bandeira 2 ao subir ladeira em Santa Teresa, no Rio
A cobrança extra é permitida desde 1970. Quatro décadas e meia depois, no entanto, ainda há quem desconheça ou estranhe a norma que permite aos taxistas do Rio de Janeiro alterar o taxímetro para bandeira 2 em ladeiras íngremes, em qualquer horário.
A prática irrita moradores de áreas enladeiradas da cidade, surpreende turistas, e é tabu até entre os próprios taxistas.
O valor do quilômetro rodado com a tarifa 2 é 20% maior que o da bandeira 1 --R$ 2,46 contra R$ 2,05 no valor atual, reajustado no último dia 2. A cobrança é regulamentada pelo Código Disciplinar do Sistema de Táxis da cidade, de dezembro de 2013, que garante a "remuneração por serviço em zonas de subidas íngremes e prolongadas", mas já constava em um decreto de 45 anos atrás.
De acordo com a SMTR (Secretaria Municipal de Transportes), o taxista pode alterar o taxímetro no início da ladeira e deve retornar à bandeira 1 no fim da subida. A ideia, segundo a prefeitura, é compensar tanto o desgaste do automóvel quanto o gasto a mais de combustível. A definição de quais ladeiras são íngremes depende do taxista, que deve avisar ao passageiro o motivo da alteração da bandeira.
"Caso o usuário se sinta lesado no momento, poderá abrir uma reclamação ligando para o telefone 1746", informou a SMTR.
Moradores e turistas reclamam
Saber que existe uma regulamentação que autoriza a cobrança de um valor maior para subir ladeiras em táxis espanta até mesmo cariocas que moram em Santa Teresa, na área central da cidade, conhecido por suas ladeiras.
"Eu achava que eles normalmente já cobravam bandeira 2 porque era Santa Teresa, já que eles não gostam de subir para cá", afirmou a bióloga Cristiane Varella, 50, moradora do bairro há 17 anos. "Acho absurdo. O táxi já é uma prestação de serviço, não entendo por que cobrarem mais caro em ladeiras", disse.
A empresária Tarciana Maciel, 40, que mora no bairro há mais de duas décadas, disse achar a cobrança injusta.
"Os moradores de lugares com ladeiras acabam sendo penalizados. Mas fazer o quê? Eu não acho que é correto, mas se tem que pagar, a gente paga. Mas é um problema conseguir que um taxista queira subir, mesmo com bandeira 2", declarou. "Curioso que se cobra a mais para subir, mas não tem desconto para descer".
Frequentadora do bairro turístico, a estudante Ana Carolina Santos, 21, que mora em Niterói e estuda no centro da capital fluminense, se surpreendeu ao saber que a cobrança era legal. "Eu acho bizarro, mas se é lei, não tem o que fazer".
A norma é tão estranha que o professor mineiro Pedro Corgozinho, 28, de Belo Horizonte, prefere evitar os amarelinhos em suas visitas à Cidade Maravilhosa.
"Eu nem gosto de pegar porque aqui tem um monte de regra para andar de táxi. Às vezes, o taxista informa uma particularidade dessa no meio da corrida e você não sabe se é verdade. Se eu que sou brasileiro não entendo as regras, imagine um estrangeiro", disse. "Em Belo Horizonte, que tem vários bairros completamente acidentados, não tem uma tarifa diferenciada".
Pela primeira vez no Rio, a turista paulista Cristiane Bueno, 41, de Pindamonhagaba, se espantou ao saber da cobrança. "Nunca tinha ouvido falar nisso. Eu não acho justo, não vejo necessidade disso", afirmou.
Taxistas divergem sobre cobrança
Entre os beneficiados pela autorização, a cobrança está longe de ser unanimidade. Taxista há 25 anos, Ney Corrêa, 48, afirma que não faz questão de alterar a tarifa porque as subidas geralmente são muito curtas.
"A diferença é tão pouca no valor que não vale nem a pena você mexer no relógio (taxímetro). Para mim é mesquinharia. A maioria dos passageiros já deixa R$ 0,50, R$ 1 de gorjeta. É o que deve dar a diferença", comentou. Ele diz acreditar que os colegas seguem o seu exemplo.
Para Alberto Guimarães, 73, que trabalha com táxi há quatro décadas, a cobrança é um direito importante para os taxistas.
"Eu sempre mudo (a bandeira), principalmente em Santa Teresa ou no Cosme Velho [zona sul da cidade]. Acho justo porque na subida o carro é mais forçado e consome mais combustível", explicou.
Ele conta que ouviu falar na autorização pela primeira vez quando chegou na cidade, há 20 anos. "Sou de Belém, no Pará e lá não tem qualquer diferenciação", contou. Para quem também não é carioca, ele mostra um documento da SMTR que informa sobre a tarifação.
Gilberto Oliveira, 59, taxista há 21 anos, prefere não cobrar a tarifa mais cara em ladeiras para evitar constrangimentos.
"Eu, erradamente, não cobro. Mas é porque às vezes não vale a pena ouvir um passageiro dizer que você está querendo roubar, dar golpe nele. No começo eu até cobrava, mas depois acabei deixando pra lá", disse. "Eu, sinceramente não acho justo. O Rio de Janeiro, por si só, já é uma cidade acidentada", confessou.
O taxista Wagner Bonfim, 44, diz que sempre cobra a bandeira 2 em subidas. "Agora mesmo eu acabei de cobrar", contou logo após deixar um passageiro próximo ao Largo dos Guimarães, em Santa Teresa. "Acho importante falar sobre isso porque tem muita gente que não sabe dessa cobrança".
Nenhum comentário:
Postar um comentário