A ideia é que no futuro pesquisadores, estudantes, turistas e
curiosos de todo tipo que quiserem conhecer o passado do primeiro homem a
habitar as Américas descerão de modernos jatos num aeroporto com pista
de 2,5 mil metros, no meio da caatinga, em São Raimundo Nonato, no sul
do Piauí, a 503 quilômetros de Teresina. O confortável terminal mescla a
arquitetura futurista com um símbolo do passado, que poderá ser visto
dos céus pelos que chegam - o desenho de uma capivara prenhe, a primeira
mostra dos tesouros arqueológicos do Parque Nacional da Serra da
Capivara.
Por enquanto, no entanto, em vez do terminal em forma da capivara que
espera um filhote, quem chega ao aeroporto vê uma carcaça de ferros
retorcidos, concreto aos pedaços, tijolos amontoados, tocos de madeira e
pregos enferrujados. Isso porque as verbas públicas para a construção
do Aeroporto Serra da Capivara seguiram o rumo de tantas outras
destinadas a projetos tão ou mais importantes: sumiram. Como sumiu o
dinheiro para a edificação de nove quiosques na cidade vizinha de
Coronel José Dias, a 30 quilômetros dali (leia abaixo).
O enredo em São Raimundo Nonato tem o perfil das irregularidades
detectadas pelas auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) e
investigações da Polícia Federal nas verbas do Turismo: dinheiro do
orçamento público que começou a ser liberado no fim de um governo e vai
pingando com critério eleitoral, empreiteira de político contratada e
zero de comprometimento administrativo com o projeto de incentivar o
turismo.
Um funcionário. O Aeroporto Serra da Capivara deveria ter um custo
total de R$ 20 milhões, mas a obra já consumiu R$ 25 milhões e vai
precisar de mais R$ 8 milhões para ser concluída - e não se sabe quando.
A empreiteira Sucesso, que deverá tocar a obra até o fim, informou que
não sabe quando recomeçará a trabalhar na construção do terminal. Por
enquanto, mantém lá apenas um funcionário, que faz a vigilância da área.
A Sucesso pertence ao senador João Claudino (PTB-PI).
A primeira liberação do dinheiro para o aeroporto de São Raimundo
Nonato foi feita em 30 de dezembro de 2002. No penúltimo dia da gestão
de Fernando Henrique Cardoso, o governo federal destinou R$ 5 milhões
para o futuro aeroporto. Em fevereiro de 2003, já no governo de Luiz
Inácio Lula da Silva, foram anunciados outros R$ 7,43 milhões,
provenientes do recém-criado Ministério do Turismo. O então ministro
Walfrido Mares Guia foi pessoalmente ao Piauí anunciar o dinheiro, de um
programa chamado Prodetur Nordeste 2. As obras tiveram início em 2004.
Mais à frente, o governo Lula anunciou a liberação de outros R$ 8,33
milhões e o governo do Piauí comprometeu-se com outros R$ 5 milhões de
contrapartida. Só a pista ficou pronta. Isso em 2009. Mas, como foi
feita com 1.650 metros e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) só
homologa pistas para grandes jatos a partir de 2,5 mil metros, a do
Aeroporto Serra da Capivara terá de receber mais 850 metros. Por
enquanto, a Anac liberou a pista como aeródromo, sem permissão para
operações comerciais. Aviões pequenos fazem pousos e decolagens de lá,
aproveitando a pista existente.
Emenda nova. Em 2009 foi realizado no Parque Nacional da Serra da
Capivara o Congresso Internacional de Arte Rupestre (Global Art), com a
participação de mais de 30 países. No entusiasmo da chegada de tanta
gente, o governo do Piauí chegou a importar do Recife um orientador de
estacionamento de aeronaves. Desde essa época, com ou sem função, Marcos
Madeira vai para o aeroporto, onde passa o dia aguardando a chegada de
algum avião. Aparecem poucos. Nos últimos oito meses ele parou de
receber o salário. Agora, fez um acordo com o governo do Estado, que
prometeu pagar o que lhe deve. "Graças a Deus, começaram a pagar", disse
Madeira.
Nessa novela de sumiço de verbas, atrasos, início de obras,
paralisação, reinício, paralisação, foram feitos novos cálculos para que
o Aeroporto Serra da Capivara enfim possa entrar em operação. Precisará
de mais R$ 8 milhões.O dinheiro já está previsto numa emenda parlamentar do deputado Paes
Landim (PTB-PI), originária de restos a pagar dos Orçamentos de 2009 e
2010. Paes Landim faz um apelo ao governo federal para que assuma a
administração do aeroporto, quando finalmente ficar pronto. "Trata-se de
uma área estratégica que não pode ficar ao sabor das mudanças dos
governos estaduais."
O ex-governador Wellington Dias (PT), que prometeu por diversas vezes
inaugurar a obra, disse ao Estado que os atrasos ocorreram porque as
licitações foram feitas em etapas, para a pista e para o terminal. "Isso
atrapalhou demais", disse ele. Da licitação participou também a Norberto Odebrecht, notória construtora de aeroportos pelo mundo. Mas ela foi desqualificada.
Venceu uma pequena construtora, do Piauí, chamada Getel, que desistiu
logo depois do início das obras. Finalmente, os trabalhos foram
entregues à empresa do senador João Claudino.
Enquanto o aeroporto não fica pronto, os interessados em conhecer as
descobertas arqueológicas guardadas no Museu do Homem Americano têm três
caminhos a fazer, todos por terra.
fonte: www.estadao.com.br
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